Entrevista: Estado é indispensável para puxar investimento em P&D
Apesar de barreiras como o câmbio e a crise mundial, que têm impactado negativamente a participação do Brasil no mercado mundial de produtos de maior valor agregado, o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia Ronaldo Mota, disse que o estado é fundamental para alavancar a inovação.
Apesar de barreiras como o câmbio e a crise mundial, que têm impactado negativamente a participação do Brasil no mercado mundial de produtos de maior valor agregado, o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia Ronaldo Mota, disse que o estado é fundamental para alavancar a inovação.
E destacou iniciativas recentes, como o novo arcabouço legal para a área de tecnologia, que, segundo ele, já ajuda os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Segundo o BNDES, o impacto da queda das exportações sobre a indústria foi mais forte do que se pensava anteriormente. Por que os setores industriais de médio e alto conteúdo tecnológico são tão vulneráveis no Brasil?
Ronaldo Mota: A sustentação e a ampliação da capacidade de competir dependem, cada vez mais, da capacitação de inovação das empresas. O processo acelerado de globalização da economia e o processo de privatização e de internacionalização exigem, num mundo de intensas e rápidas mudanças tecnológicas, esforços crescentes na capacitação de inovação.
Há uma crise mundial que afetou a capacidade de exportações de todos países. Alguns itens de exportações de produtos primários no Brasil foram menos atingidos, dado o crescimento da China e o aumento da demanda internacional por algumas commodities. No entanto, a disputa em produtos industrializados deve ser cada vez mais acirrada, inclusive com a China, demandando novos e maiores esforços em termos de inovação. Os setores industriais brasileiros de médio e alto conteúdo tecnológico têm se mostrado mais vulneráveis em função de não termos ainda explorado como devemos e podemos as respectivas capacidades de inovação.
China, Coréia do Sul e Japão são menos abertos ao investimento estrangeiro direto (IED). Como explicar o sucesso tecnológico desses países?
Mota: Sobre o sucesso desses países não seria possível reduzir a explicação a um único item. Mesmo assim, há que se destacar que, no caso de Japão e Coreia do Sul, eles apresentam, em relação ao Brasil, um particular diferencial positivo destacável: Educação. Seja no nível básico (ausência de analfabetismo e muito mais anos de escolaridade) ou no acesso à educação superior (maioria de seus jovens entre 18 a 24 anos contra menos de 14% no Brasil). A China, por sua vez, é reconhecidamente um caso a parte e demandaria uma análise que não caberia neste espaço neste momento.
A China deve passar o Brasil no ranking dos países mais inovadores da The Economist Intelligence Unit. De 59º, de 2002 a 2006, a China pulou para o 54º, em 2007. A EIU prevê que os chineses alcancem a 46ª posição em 2009-2013. Já o Brasil caiu para a 49º. O País estará melhor em 2013?
Mota: É preciso cuidado ao saber ler o que esses rankings pretendem expressar. Inovação implica tecnologia, máquinas e equipamentos, mas vai além, contemplando também pequenas mudanças incrementais, novas funcionalidades, bem como melhorias na gestão ou novos modelos de negócios, associados à conquista ou criação de novos mercados. Atualmente, entre metade e três quartos da riqueza produzida no planeta é criada, não pela produção de coisas físicas, produtos, mas, pela prestação de serviços.
Modelos de inovação tecnológica tradicionais e as políticas a eles associados tendem a ter seus focos em concepções mais centrados em P&D e indústrias manufatureiras, deixando inevitáveis lacunas em contemplar a contribuição de C&T para inovação no setor de serviços.
Trata-se de problema mundial e no Brasil não tem sido diferente. O País pode apresentar na área de serviços elementos de inovação que talvez sejam competitivos com todos demais países, inclusive a China. Dependendo das ações que tomarmos hoje e de sua continuidade até 2013, não seria nada surpreendente se o Brasil estivesse bem melhor do que hoje no citado ranking. O que não necessariamente significa que ultrapassaremos países como China.
A Lei da Inovação Tecnológica tem pouco mais de três anos de efetiva aplicação, já que foi complementada posteriormente pela Lei 11.196, de 21/11/2005, a chamada Lei do Bem. Ela tem estimulado investimentos em P&D?
Mota: Em 2006, esses investimentos atingiram cerca de R$ 2,2 bilhões por 130 empresas. Já em 2007, 299 empresas declararam cerca de R$ 5,1 bilhões. Ano passado, o número de empresas saltou para 441 e os investimentos, mais de R$ 8,1 bilhões. Em apenas três anos, o incremento em número de empresas é da ordem de 240% e de valores, de 270%. Somente nesse item, os investimentos das empresas em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB, saltaram de 0,09% em 2006, para 0,19% em 2007 e atingiram 0,28% do PIB em 2008.
Multinacionais instaladas no Brasil estão articuladas com a comunidade científica ou privilegiam os centros de pesquisa de suas matrizes? Neste último caso, o que fazer para atrair o interesse delas para a produção do País?
Mota: Há mudanças positivas favorecendo cada vez mais que empresas nacionais e multinacionais instaladas no Brasil sejam atraídas para terem seus centros de pesquisa e desenvolvimento aqui. Tem sido noticiado que essas empresas também estão tirando da gaveta projetos de inovação, devido à retomada dos investimentos após a crise.
Depois de uma redução no ritmo de contratação de financiamentos nas linhas para pesquisa e desenvolvimento, o BNDES contrariou a expectativa de queda e fechou 2009 com liberações pouco acima do patamar de 2008, de R$ 573 milhões. Já a Finep superou ano passado R$ 900 milhões em crédito, mais de 60% acima de 2008. Em 2010, projeta desembolso quase 80% maior: R$ 1,6 bilhão. Nessa virada de ano, grandes companhias anunciaram investimentos em centros de pesquisa e parcerias para desenvolver novos produtos e processos.
Por exemplo, semana passada, a General Eletric anunciou a criação de novo centro de pesquisas no Brasil, o quinto no mundo e o primeiro na América Latina de uma das empresas que mais investem em P&D no mundo: US$ 6 bilhões por ano. O valor do investimento e o local do centro não foram definidos, mas deve sair do papel em 2011.
Algum destaque entre as empresas brasileiras?
Mota: Destaco a multinacional brasileira Vale, que anunciou, em dezembro, a criação do seu instituto tecnológico e vai construir mais três centros de pesquisa no País. Ainda este ano, a empresa contrata 50 cientistas e define terrenos e projetos dos centros que vai erguer em São Bernardo do Campo (SP), Ouro Preto (MG) e Belém (PA). Em dois anos e meio, a Vale vai desembolsar R$ 72 milhões dos R$ 120 milhões do investimento total para os três centros, complementado por fundações de fomento dos estados. Depois de três anos de estudos, criou o Instituto Tecnológico Vale (ITV) para coordenar as unidades de pesquisa da companhia, que planeja investir R$ 140 milhões este ano em P&D. Da mesma forma, recentemente, a Vale começou a operar conjuntamente com os Fundos Setoriais do MCT, permitindo ampliar editais como os dos CNPq e sugerir novos mecanismos de apoio ao setor mineral.
Outro interessante exemplo é a empresa EMS, que, depois de se tornar o maior laboratório farmacêutico do País a reboque do sucesso dos genéricos, aposta na biotecnologia para aumentar o seu portfólio. A EMS assinou mês passado um acordo técnico-científico com o laboratório chinês Shangai Biomabs, para o desenvolvimento e produção de biofármacos na sua unidade em Hortolândia (SP) em até cinco anos. A empresa construiu em Hortolândia um moderno centro de pesquisas, para o qual direciona 6% do seu faturamento de R$ 2 bilhões já empregando 200 cientistas.
Monitor Mercantil