Países em desenvolvimento acirram corrida tecnológica global
O último estudo sobre o cenário da inovação no mundo, publicado em 2008 pela OCDE, revela que novas peças se movimentam no jogo da disputa tecnológica: as nações emergentes, que hoje já representam em torno de 20% dos investimentos mundiais em inovação, quase o dobro de dez anos atrás. Enquanto os números do bloco que inclui Brasil, China e Índia continuam crescendo, a fatia das regiões ricas, como EUA e Europa, diminuem.
“O que determina a ascensão e queda das nações é a sua capacidade de construir o futuro”, escreve Paul Kennedy, historiador britânico especializado em relações internacionais, autor do livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”. Ao citar a obra como referência, o professor Jacques Marcovitch, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, diz que a inovação é arma cada vez mais decisiva na competição por espaços nobres na economia – e tem levado grandes corporações a buscar novos caminhos.
“O tema do acesso à tecnologia ganha força em fóruns internacionais, como G10 e BRICs, e em acordos bilaterais, como o chamado G2 (EUA e China)”, afirma Marcovitch, ex-reitor da USP e membro de organizações voltadas para o desenvolvimento econômico e tecnológico mundial. A trincheira da busca por espaços na inovação está nos países emergentes. No bloco desenvolvido, apesar das despesas do setor público seguirem aumentando, o ritmo dos investimentos privados em P&D arrefeceu nos últimos cinco anos. Os analistas estimam que a União Européia não conseguirá atingir a meta de fazer o setor industrial investir 2% do PIB em inovação até 2010 – hoje essa fatia é de 1,1%. Também o investimento público em P&D na região não deverá atingir o objetivo de alcançar 3% do PIB no próximo ano, apesar do compromisso político de estimular a pesquisa.
A inovação chega a um novo ciclo de sua história, que se desenvolve desde a agricultura primitiva e o início da escrita. Os atuais gigantes em tecnologia acirraram a corrida após a II Guerra Mundial. Na década de 1980, um novo grupo de países entrou na disputa: os tigres asiáticos. O movimento ocorreu em sintonia com a globalização e o impulso de tecnologias emergentes na época, como a internet. O Brasil e outros países em desenvolvimento ingressaram no jogo em meados dos anos 90.
“Novas etapas são vencidas em resposta a grandes crises”, explica Marcovitch, lembrando que hoje a revolução científica corre no rastro da genética de alimentos e da tecnologia digital. Mas a inovação tem limites, alerta. “No mundo atual, não há como separar tecnologia e sustentabilidade – ou seja, o desafio é ser inovador e ao mesmo tempo enfrentar os problemas ambientais e sociais da humanidade”. O crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico são pautados por importantes fatores: a população global prevista para nove bilhões de habitantes em 2050, com dois terços vivendo em aglomerados urbanos; a necessidade de duplicar a produção de alimentos nos próximos 40 anos; e o desafio de lidar com dois bilhões de veículos que irão circular no planeta até 2030. Há também o esforço de reduzir a miséria que atinge 1,1 bilhão de habitantes.
Japão, Suíça, Finlândia, EUA, Suécia e Alemanha continuam na linha de frente da inovação tecnológica, segundo o novo ranking publicado pelo Economist Intelligence Unit em abril. Mas os países em desenvolvimento ampliam seus espaços. O Brasil está em 45º lugar, atrás de países como Chile e Argentina. O índice leva em conta insumos como os investimentos em P&D, a capacitação científica e a penetração de banda larga, além de fatores políticos, incentivos, estabilidade econômica e registro de patentes.
Em conseqüência da crise econômica global, estima-se uma redução no ritmo da inovação no mundo nos próximos cinco anos. A previsão é de um crescimento médio em torno de 2% no período. A projeção inicial era de 6% entre 2007 e 2011. Uma exceção é a China, que deve aumentar o nível de inovação em 11% nos próximos quatro anos, segundo a OCDE. Uma das estratégias da China é permitir que companhias estrangeiras se instalem no país desde que associadas a empresas locais. É um caminho para absorver know how e desenvolver produtos competitivos.
“Os países enxergaram que a inovação é instrumento essencial ao desenvolvimento e o tema é alvo de debate na Organização Mundial do Comércio”, ressalta Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Embora sob críticas de pirataria, a estratégia da China é atrair capital estrangeiro em joint-venture, dentro do conceito de aprender, fazendo parecido”, diz Negri. Os chineses seguem a trajetória dos coreanos na década de 90. Hoje a Coreia do Sul é o 17º país no ranking da inovação, resultado do esforço para absorver e adaptar tecnologias importadas, com alta produtividade. O país investiu 3,2% do PIB em pesquisa em 2006. A maior parte dos recursos vem do setor privado (75%), o que tem estimulado o governo a aumentar a verba para a pesquisa básica.
A Índia, por sua vez, se destaca nas soluções voltadas para o consumo de baixa renda, mas também tem excelência na indústria farmacêutica, com exportação de matéria-prima para medicamentos genéricos. Na área de software, exporta US$ 40 bilhões por ano – o dobro das exportações brasileiras em eletrônicos em geral.
O Brasil está em busca de seus caminhos. O processo, porém, é delicado. O fascínio verde-amarelo por inovações radicais – as invenções – é um dos alvos de críticas. “É como uma miragem”, compara Roberto Nicolsky, da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (PROTEC). “Precisamos primeiro ter a capacidade de fazer o que os outros já fazem, para depois dar o pulo do gato”. Incorporar inovação alheia, com foco no aperfeiçoamento contínuo e no conceito de “cópia criativa”, é uma tática que reduz riscos. É a rota seguida por Japão e depois Coreia, China e Índia. “Os celulares de última geração envolvem cinco mil patentes em seus dispositivos e nenhum dos atuais fabricantes inventou o aparelho. O inventor é a sueca Ericsson, que deixou de produzir celulares – faz apenas o sistema operacional”.
Há também o caso da Philips, que inventou o DVD player, mas hoje não o fabrica mais. O mercado de DVDs é dominado pela China, país que começou imitando tecnologias de sucesso internacional e hoje registra patentes nos EUA em números que crescem 25% ao ano. São produtos de alta tecnologia, como os ímãs de terra rara, indispensáveis à indústria eletroeletrônica e de automação, mercado 80% dominado pelos chineses. “Em ambiente de crise, perderam os que apostaram em inovações radicais, que exigem investimentos de longo prazo”, explica Nicolsky. Seguindo na contra-mão, o Brasil, segundo ele, permanece dependendo da exportação de commodities e da importação de produtos com conteúdo de inovação. O déficit tecnológico na balança comercial brasileira aumentou de US$ 33 bilhões em 2007 para US$ 58 bilhões em 2008.
De acordo com Nicolsky, o País precisa aprender com seus acertos, como a tecnologia do etanol e da exploração de petróleo em águas profundas. Uma exceção é a Embraer, que melhorou detalhes na tecnologia de aviões já consagrada e hoje é sucesso mundial, com aeronaves mais baratas, eficientes e competitivas. A empresa, que em 2008 investiu R$ 480 milhões em P&D, aposta agora em aviões executivos com diferenciais inovadores, que começam a ser entregues este ano. “Enfrentamos em condições vantajosas grandes fabricantes mundiais com mais de 30 anos de mercado”, revela Cláudio Camelier, diretor de inteligência de mercado de aviação executiva. O projeto consistiu em levar para a aviação executiva os conceitos de baixo custo e alta segurança já empregado nos jatos comerciais da empresa.
Também os ônibus brasileiros ganham fatias no mercado externo. “A customização de veículos, como os alfaiates fazem com as roupas, é o nosso segredo”, diz Rubem Bisi, da Marcopolo. Sediada em Caxias do Sul (RS), a empresa vende 300 mil veículos por ano nos países estrangeiros, detendo 7% das vendas mundiais, com duas fábricas na Índia e outra de bancos, janelas e outros componentes de ônibus na China. A inovação levou a Marcopolo a desenvolver três milhões de combinações entre diferentes itens, como poltronas, local da direção e tamanhos de janelas. Os exemplos vão de ônibus resistente ao gelo para trafegar na Sibéria a modelos de veículos sem teto, produzidos para transportar peregrinos mulçumanos para Meca – percurso no qual não pode haver qualquer obstáculo entre eles e o deus Alá.
“O peso socioeconômico da inovação será cada vez mais forte como solução para os dilemas da humanidade”, afirma Olívio Ávila, da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). “Apesar do atraso brasileiro, nunca se falou tanto em inovação como hoje no País”, diz. Mas faz uma ressalva: “É preciso ir além do modismo, pois a questão é de sobrevivência”. Ele diz que 80% do faturamento anual das empresas com perfil de inovação provêm de produtos desenvolvidos nos últimos dois anos. “Existe uma relação direta entre investimento em P&D e lucro”, assegura Tales Andreassi, autor de tese de doutorado sobre o tema na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Valor Econômico